Das questões inacabadas
Você já parou para olhar para si? E com isso eu digo encarar-se, internamente, com a mesma clareza com que encara o seu exterior em um espelho?
Hoje topei comigo, assim de repente, e não consigo parar de pensar em uma árvore.
Fazer terapia tem sido um processo de escavação que ao invés de revelar um caminho, revelou um labirinto. Há um tema principal, uma grande questão a ser resolvida, mas cada nova sessão revela um galho diferente daquele mesmo tronco que precisa de atenção. Começamos a observar e limpar certo galho, quando surge outro, paramos para olhá-lo, e mais outro, e outro, e desde então já sou uma árvore cheia de questões inacabadas e galhos precisando de podas.
E essa árvore de conflitos inacabados muitas vezes é ofuscada de minha vista pela intensidade da rotina e das responsabilidades, e o tempo, precioso que é, urge pela ciclicidade de atividades cumpridas e descanso e não abre muitas brechas para que eu possa notar a pomposa árvore no ambiente.
Mas não adianta evitar, ele abre algumas brechas de vez em quando.
E daí percebo...
Que o conflito crônico por uma decisão profissional cresceu além do que meus olhos conseguem ver, entrelaçando-se com um conflito de formação acadêmica que desponta tímido, mas cresce rápido. Se olho mais perto do tronco vejo uma situação recente de intimidade que foi boa, mas não recíproca, crescendo em meio à uma área de inseguranças e rejeições que procuro sempre evitar prestar muita atenção.
As dualidades persistem e se ramificam com beleza, desde a ambiguidade entre solidão e solitude, certezas religiosas e questionamentos hereges, superação e nostalgia. Já a ansiedade, velha companheira, começa a tomar formas grotescas de pânico, se olhar com atenção ao seu formato. Outros galhos revelam culpas, dúvidas, outros já nem são galhos, são raízes que fincaram-se fundas na terra e alimentam toda a árvore com suas tentativas de controle sobre o mundo. E ainda há aqueles galhos que me incomodam, mas ainda não consigo nomeá-los.
E o que fazer com tudo isso?
Não sei. Honestamente.
Deixar a rotina voltar a me engolir parece a alternativa mais segura, mas começo a desconfiar que é justamente ela a culpada pela árvore ter crescido tanto.
Fecho os olhos, ouço uma música. Escrevo um texto e decido não fazer nada por hoje.
Mas não vou voltar a te ignorar, árvore. Até porque você sou eu.
Só não é chegada a hora de lidar com você por inteiro.
Vou te olhar com calma.